sábado, setembro 30, 2017

Florescer no deserto



Difícil florescer nesse chão árido que nos restou. O tempo vai nos afastar do sorriso, do olhar, do cheiro, dos beijos, dos abraços... O que é material será a cada dia mais esquecido e ficarão as sensações, os sentimentos, as emoções experimentadas juntas. O primeiro sorriso, a primeira palavrinha, o primeiro uniforme,a primeira viagem, o primeiro amor. Os dias das crianças, as Páscoas, os Natais, os cães, os concertos, as bonecas, o violino, o piano, a voz...

Elbow - The Loneliness of a Tower Crane Driver



quarta-feira, setembro 27, 2017

Quinze anos de Helena, hoje.

Hoje, Helena faria 15 anos!

domingo, setembro 10, 2017

Mal-estar na maternidade

Por Vera Iaconelli

"Bem-vindo à geração cem por cento, que acredita que pode e deve dar conta de tudo e de fazer escolhas que não impliquem perdas. Uma aluna comentou esse fenômeno sabiamente: "Escolha sua perda!". Sim, é disso que se trata.
Uma ínfima parcela da população pode se dar ao luxo de não ter que caçar seu mamute diariamente. Além disso, temos outras aspirações, que nos fazem mais do que caçadores, que nos fazem humanos.
Ainda assim, somos assombrados pela ideia de que nossos filhos serão traumatizados pela nossa ausência. Aqui funciona a lógica de que pai e mãe são oxigênio, de que qualquer outro adulto cuidando deles será fatal.
Trata-se de uma lógica capitalista do individualismo, do semelhante como ameaça e da entrada do especialista no lugar dos laços sociais.
Nossos filhos viverão em média 4 a 5 décadas mais do que nós -ou seja, os deixaremos órfãos, na melhor das hipóteses. Ausência fundamental que marca o sentido da parentalidade, pois acarreta criar sujeitos rumo à autonomia.
Portanto, devemos reconhecer que nossa participação em suas vidas só tem sentido se apontar para além de nós mesmos, para os laços sociais e o mundo.
Há, ainda, outras ausências, menos radicais do que a morte, com as quais devemos aprender a lidar. Ausentamo-nos trabalhando, amando outras pessoas, amando outras coisas e amando a nós mesmos. Para o bem da saúde mental de nossos filhos, temos outros interesses e outras fontes de prazer e realização, o que permitirá a eles tê-los também.
Ninguém merece ser tudo para um pai ou uma mãe. Por outro lado, nenhum adulto merece criar uma criança sem ajuda, sem respiro, tendo que gostar de brincar por obrigação.
Crianças devem conviver com vários adultos reais, limitados, sinceros, honestos e protetores, sejam familiares ou profissionais. E, preferencialmente, estar com outras crianças.
A tarefa parental é imensa e vitalícia. Será exercida por quem assumir essa responsabilidade radical, não cabendo aqui fazer diferença entre homens e mulheres, pais e mães. Quem tomar para si essa missão só poderá cumpri-la a partir de suas escolhas e consequentes perdas, sem fazer da parentalidade um poço de ressentimento e culpas, cuja conta quem paga são os filhos.
Então, façamos a lição de casa. O que realmente é possível para cada família específica, para além de um mundo fantasioso no qual os pais se dedicariam integralmente aos filhos como se isso fosse bom para as crianças?
Perguntemo-nos também o que é desejável para nós, pois a presença ressentida não passa desapercebida aos pequenos.
Ao deixá-los com outros, sejam familiares ou profissionais, cabe assumir essa escolha, não valendo controlar à distância avós, babás e professores, o que é enlouquecedor.
Enfim, escolha sua perda e aprenda a se ausentar. As novas gerações agradecem."

VERA IACONELLI, psicanalista, é diretora do Instituto Gerar. Escreveu o livro "Mal-estar na maternidade: do infanticidio à função materna" (Annablume, 2015)

Da hipocrisia e outras tragédias

É incrivel, você passa por uma tragédia e imediatamente reconhece nos outros as piores características dos seres humanos. Outra questão é o impacto nas redes sociais a partir de uma notícia trágica, quando você e sua família são pessoas conhecidas. Ao escrever isso, retifico: dependendo da tragédia, ainda que você seja um mero desconhecido, as pessoas se desconectam dos próprios problemas para agarrar no seu. Tem gente que se debulha em lágrimas e doem como se estivessem muito consternados e solidários. Psiquicamente a explicação é simples, estes sentem com você como se estivessem vivendo a tragédia para si e não a sua. Coitados, às vezes choram mais e você ainda nem digeriu sua dor direito, você está ali petrificado e em choque com a sua perda. Choram esses compulsivamente pensando na ideação do sofrimento.

Experimentei nesses dias as piores decepções. Gente que te chama de irmã, de melhor amiga, postando a tragédia que se abateu sobre você, como se estivesse compartilhando uma receita de bolo e como se não te conhecesse. Depois vem as condolências "meus sentimentos" acompanhados ou até posteriores à seguinte expressão: "nossa estou chocada ou chocado, mas o que aconteceu realmente?". Isso é quase dizer: por favor me conta, eu estou muito curiosa ou curioso. E ai quando a notícia cai na boca de quem não é próximo a você toma proporções inimagináveis. Chegam a rir da sua desgraça como se não fosse possível que ela acontecesse com ninguém mais, inclusive com quem ri. Fora isso, tempos depois, você descobre que pessoas, parentes e amigos, que estiveram nas celebrações da perda, enquanto te davam os pêsames comentavam com outros sobre a vida pessoal do morto e da familia dele.

Tem aqueles que não dizem nada mesmo. Seguem suas vidas hipócritas e pseudo felizes sorrindo pra você como se nada estivesse acontecendo. Estes também parecem descolados da realidade. Você numa dor que não passa nunca e a pessoa no velório ou na missa sorrindo como se naquela "festa" fosse o bobo da corte.

Eu achava que tinha muitos amigos, a partir de agora são mesmo muitos, muito poucos. Alguns somem. Eu entendo que estes amigos tem medo de tragédia como se fosse contagioso e nos dão a sensação que acreditam mesmo que a vida pode ser feita só de felicidade e que você é uma pessoa sem sorte - enganam-se. O que me consola sobre essa exposição da nossa dor, é que a expressão do nosso sofrimento e essa repercussão e espetacularização vivida por outras pessoas passou. Hoje faz 30 dias e logo, logo, será só nossa, de nós 2 ou 3 que realmente sentiremos até o nosso último suspiro.

Dizem que o luto passa por uma série de fases. Isso é verdade. Primeiro você nega, depois você se revolta contra o que é etéreo, depois você se desespera, depois você se deprime e depois você aceita a viver com essa dor. Eu estou na fase do desespero ainda, que às vezes se mistura com uma espécie de mantra do "eu não acredito".